quarta-feira, 14 de maio de 2008

É preciso muito mais..

Decorrido mais de um século da primeira campanha autonómica liderada por Aristides Moreira da Mota – principal mentor do projecto que culminou com a promulgação do Decreto de 2 de Março de 1895, concedendo autonomia administrativa aos Distritos dos Açores, só agora foi reconhecida a possibilidade dos açorianos poderem criar as suas próprias leis, embora continuando a ter como limite todas as matérias que a Constituição reserve como competência exclusiva da Assembleia da República.
Contudo, o júbilo demonstrado pela recente aprovação das alterações ao Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores não pode fazer esquecer os principais motivos que devem nortear a Autonomia dos Açores – a qualidade e o nível de vida do povo das nossas ilhas.
Os novos poderes de legislar, a pressuposta autonomia financeira, a construção e duplicação de infra-estruturas (algumas de dispendiosa conservação e duvidosa utilidade), não serão suficientes para justificar os 32 anos de governos próprios desta Região Autónoma dos Açores, se continuamos a ter elevados índices de pobreza.

Dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o último Inquérito às Despesas das Famílias 2005/2006, foram motivo de regozijo para o actual governo dos Açores, mas apenas com destaque para o facto do rendimento líquido anual das famílias açorianas ser 6% superior à média nacional. Pouco ou nada se disse sobre os indicadores que colocam os Açores no fim das demais regiões do país.

Das sete Regiões NUTS II de Portugal é nos Açores que as famílias têm maiores gastos com a alimentação e bebidas não alcoólicas, é a segunda região onde as famílias mais despesas têm com habitação, transportes, água, electricidade e gaz, e é onde as famílias menos gastam em hotéis, restaurantes, cafés e similares, o que demonstra o quanto lhes é financeiramente difícil frequentar estes locais. A inflação é superior à do continente e à da Madeira, contrariando o princípio de que a aplicação de taxas reduzidas do IVA nos Açores deveria ser para compensar os custos dos transportes de produtos e mercadorias.
A verdade é que aqueles 6 % são muito pouco, tendo em consideração os milhões das transferências do Orçamento do Estado e dos Fundos Comunitários que continuam a entrar na Região e que acabam por se reflectir nos rendimentos das famílias.

Os indicadores sobre o risco de pobreza e a desigualdade revelam que 40% da população viveria abaixo do nível de pobreza se não recebesse apoios sociais. Mesmo com apoios sociais, 18% da população vive abaixo da taxa do risco de pobreza . Aqui estarão incluídos as muitas centenas ou milhares de idosos que recebem as pensões mínimas – a de velhice e invalidez é de 236 €, a social é de 181 € e a de sobrevivência é de 141 € .

E como seria se as 4 868 famílias beneficiárias do rendimento de inserção social nos Açores deixassem de receber apoio? Nos últimos cinco anos o número de famílias que recebem este apoio social aumentou 143 % - um impressionante número actual de 18.033 pessoas, o correspondente a quase 8% da população portuguesa residente nestas ilhas. Como seria se deixasse de entrar na Região o montante de um milhão e cento e sessenta e um mil euros, por mês, para suprir as suas necessidades básicas?

E se o Banco Alimentar contra a fome deixasse de cumprir a sua missão? Nos últimos três anos, só na ilha de S. Miguel, recolheu 750 toneladas de alimentos para dar aos mais pobres. No ano de 2004 distribui 220 toneladas por 9.980 pessoas, em 2005 foram 247 toneladas para 10.377 pessoas e em 2006 os números aumentaram para 277 toneladas para 10.517 Pobres. Tanto cresce o número de alimentos recolhidos como o número de pobres a quem são distribuídos. É a presidente da Caritas que diz “para além de não existirem dúvidas que há cada vez mais pobres, ainda se torna mais grave o facto desses novos pobres serem pessoas ainda muito jovens”.

A uma Região com autonomia política e administrativa exige-se muito mais.
São precisas novas e melhores políticas sociais, económicas, ambientais e educativas.


Ponta Delgada, 7 de Maio de 2008

Cláudio Borges Almeida

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Figura de corpo presente e o Acordo

Assegurar portos de escala para as naus portuguesas e espanholas que regressavam das colónias de Africa e das Américas carregadas de ouro e de especiarias, e para o descanso das tripulações e reabastecimento de mantimentos, estará na “génese” da utilização das ilhas atlânticas dos Açores como importante ponto geoestratégico a meio do Atlântico norte.

Esta necessidade evidencia-se em plena I Grande Guerra Mundial, com o desejo, conseguido, dos Estados Unidos da América, então potencia aliada da Inglaterra no conflito, estabelecerem uma base naval em P. Delgada, como forma de garantir a liberdade de navegação e o patrulhamento contra os submarinos alemãs.

Na II Grande Guerra, os Açores passam a funcionar como ponte aérea dos bombardeiros e transportes aéreos norte americanos na defesa dos comboios marítimos e na luta anti - submarina nesta área do Atlântico. Permitira-se aos britânicos a utilização dos aeródromos das Lages e de Santana, este em caso de emergência, e dos portos de P. Delgada, Angra e Horta . Aos americanos a construção e utilização de um aeroporto internacional na ilha de Stª Maria, mais tarde devolvido ao controlo português em troca de lhes serem concedidas facilidades no aeroporto das Lages.

No período que se seguiu, os Açores permaneceram como uma das áreas prioritárias para a segurança dos Estados Unidos , daí resultando a assinatura de vários “acordos” que têm proporcionado aos americanos o uso dos Ilhas para operações militares, quer sejam ou nãoefectuadas ao abrigo da Nato. Foi assim com as intervenções americanas no Afeganistão, na guerra do Golfo, na invasão do Iraque e no recente conflito entre Israel e o Líbano.
Está assim comprovada a importância dos Açores na geoestratégia mundial, importância reforçada com a pretensão dos Estados Unidos utilizarem a base aérea das Lages para treino de novos aviões de guerra e mísseis e pelo grande investimento que têm previsto para novas construções naquela base militar .

É inegável que esta presença norte americano nos Açores é boa para a nossa economia, nomeadamente para a da ilha Terceira. Dela dependem centenas de famílias que directa ou indirectamente têm os seus rendimentos assegurados, quer pela via dos salários dos cerca de 900 trabalhadores ao serviço da base ou em resultado da adjudicação de obras e da prestação de serviços diversos.

Contudo, não é menos verdade que as pretensões dos Açores são ignoradas e os nossos representantes parecem fazer papel de “corpo presente” quando das negociações para a revisão do Acordo ou quando se trata de zelar pelo seu cumprimento. Foi assim no passado e tudo indica que assim continua.

A sensação de impotência que nos é transmitida pelos responsáveis regionais quando falam do assunto, que parecem não querer dar a conhecer aquilo que não sabem, confirma-o. A recente recusa do Governo em dar explicações ao Parlamento é disso exemplo.

Seria interessante saber qual o valor dos apoios recebidos pelas Forças Armadas Portuguesas quando para os Açores não existem contrapartidas financeiras. Seria também interessante saber quais os investimentos que a FLAD - Fundação Luso Americana tem feito para o desenvolvimento dos Açores, tendo beneficiado de um fundo de 38 milhões de dólares para a sua constituição e quais as contribuições financeiras que continua a receber. Tudo isso ao abrigo de um Acordo de Cooperação entre Portugal e os Estados Unidos, que permite instalação de uma base militar americana em território da Região Autónoma dos Açores.

Cláudio Borges Almeida

Correio Açores e Diário Insular

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Mesmo com Sorrisos

Os dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística sobre o último Inquérito às Despesas das Famílias 2005/2006 foram manchete da comunicação social nos Açores e assunto para a realização de um dos programas da RTP- Açores – o estado da região. O destaque da notícia, a que mais convinha, foi todo para a “revelação” de que o rendimento líquido anual das famílias dos Açores é superior à média nacional.
Não fora as explicações dadas pelos economistas convidados naquele programa televisivo, embora timidamente expressas, os sorrisos e o ar de extrema felicidade que nos pretendia transmitir o responsável pela Secretaria Regional da Economia ali presente quase me contagiava.

A verdade é que os 6 % de rendimentos a mais que nos distancia da média nacional é muito pouco, tendo em consideração os montantes e a grande abrangência das ajudas financeiros que tem entrado na Região e que deveriam reflectir-se nos rendimentos das famílias, sobretudo nos que tem rendimentos de trabalho por conta própria. Refiro-me a verbas provenientes dos vários programas comunitários para o desenvolvimento da nossa agricultura, da pecuária e pescas.

Pouco ou nada se fala dos indicadores que colocam os Açores no fim das demais regiões do país. Das sete Regiões NUTS II de Portugal, é nos Açores que as famílias tem maiores gastos com a alimentação e bebidas não alcoólicas. Os Açores são segunda região onde as famílias mais despesas têm com habitação, transportes, água, electricidade e gaz. As famílias açorianas são as que menos gastam em hotéis, restaurantes, cafés e similares, o que demonstra o quanto lhes é financeiramente difícil frequentar estes estabelecimentos. A inflação registada é superior à do continente e à da Madeira, contrariando o princípio de que a aplicação de taxas reduzidas do IVA nos Açores seria para compensar os custos dos transportes de produtos e mercadorias.

Os indicadores sobre o risco de pobreza e a desigualdade revelam que 40% da população residente em Portugal viveria abaixo do nível de pobreza se não recebesse apoios sociais. Mesmo com apoios sociais, 18% da população vive abaixo da taxa do risco de pobreza (adultos que recebem menos de 366€ por mês). Aqui estarão incluídos as muitas centenas ou milhares de idosos que nos Açores recebem pensões mínimas. As de velhice e invalidez são 236 €, a pensão social são 181 €, e a de sobrevivência são 141 € . De facto, como os idosos costumam dizer, “nem dá para comer”. Não admira pois que os levem a agradecer e a oferecer cisnes brancos ao Chefe do Governo que, em ano de eleições, lhes oferece passagens aéreas inter ilhas, com estadia e pensão completa durante uma semana, por 25 euros.

E como seria se as 4 868 famílias beneficiárias do rendimento de inserção social nos Açores deixassem de receber apoio? Em menos de quatro anos, ou seja entre Maio de 2004 e Fevereiro de 2008, o número de beneficiários do rendimento de inserção social aumentou de 1 253 para 18.033. Como seria se deixasse de entrar na Região o montante mensal de l.161.000 € para suprir as suas necessidades básicas?

E se o Banco Alimentar contra a fome deixasse de cumprir a sua missão? Nos últimos três anos recolheu 750 toneladas de alimentos para dar aos mais pobres, só na ilha de S. Miguel. No ano de 2004 distribuí 220 toneladas por 9.980 pessoas, em 2005 foram 247 toneladas para 10.377 pessoas e em 2006 os números aumentaram para 277 toneladas para 10. 517 pobres. Como se vê, sempre em crescendo.

Mesmo com sorrisos, é muito pouco para uma Região com Autonomia e com governos próprios há mais de 30 anos.

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